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A importância do prazer na terceira idade

Uma pesquisa realizada pela Universidade de Michigan, com o apoio da AARP (uma associação que reúne 38 milhões de aposentados nos Estados Unidos), traçou um painel sobre a vida sexual de norte-americanos entre 65 e 80 anos. O estudo, divulgado e conduzido em 2018, faz parte da National Poll on Healthy Aging (Pesquisa Nacional sobre Envelhecimento Saudável). 

Com maior foco no envelhecimento saudável e com o aumento da expectativa de vida, seja pelas condições atuais de tratamentos da medicina e a importância crescente em relação à alimentação e qualidade de vida, os idosos estão também começando a dar maior valor à prática sexual – da pesquisa, cerca de 40% das pessoas entre 65 e 80 anos se declaram sexualmente ativas. E, do total, 18% dos homens e 3% das mulheres disseram que utilizaram algum tipo de medicamento ou suplemento para melhorar seu desempenho sexual nos últimos dois anos. No entanto, apenas 17% conversaram com seus médicos a respeito, embora seja consenso de que o tema deveria fazer parte das consultas.

A pesquisa contou com cerca de mil entrevistados e um dos objetivos do levantamento foi saber como os idosos buscam ajuda ou aconselhamento e se conversam com seus médicos a respeito do assunto. Uma das responsáveis pela pesquisa, a médica Erica Solway, reiterou a importância de se falar sobre sexo nos consultórios, pois, segundo ela, a vida sexual dos idosos não recebe a devida atenção dos médicos, mas está intimamente relacionada ao seu bem-estar, como o estudo comprovou: entre os idosos que se declararam com boa ou ótima saúde, 45% faziam sexo; sendo 22% o total dos que diziam ter saúde ruim ou razoável, . Em relação ao gênero, a pesquisa mostrou que as mulheres ficavam em clara desvantagem: 31% delas se declararam ativas, enquanto eles chegavam a 51%. E, entre os homens, 50% afirmaram estar muito ou extremamente interessados em sexo, enquanto esse percentual entre as mulheres cai para 12%.

Para a advogada, terapeuta especializada em casais e sexóloga, Carol Degani, a criação das gerações passadas é um dos entraves para que a mulher sexagenária possa desfrutar do sexo na terceira idade: “Elas vêm de uma criação bastante castradora e opressiva com relação à sexualidade da mulher. Muitas outras podem ter casado virgem e não ter tido orientação ou até mesmo experiências diversas em relação à parte sexual. Além disso, existe também na sociedade uma crença de que a mulher depois da menopausa perde o seu ‘valor como mulher’ por não procriar mais, o que também justifica não precisar mais de sexo. Outras têm ainda a preocupação da gravidez indesejada nessa fase da vida ou, por estarem com a libido baixa, justificarem pela parte hormonal. E, então vai se construindo um jogo de inúmeras justificativas para não praticar o sexo, que nunca foi bom, nunca foi prazeroso, porque sempre foi sinônimo de obrigação. Elas decidem então excluí-lo e, então, se chancela que o idoso não faz mais sexo. O prazer sexual é da natureza humana, independente da idade, por isso, precisam entender que elas são mulheres, ainda têm valor como mulher e que elas podem, sim, resgatar a sensualidade e a feminilidade que foram sendo apagadas por elas”, explica a especialista, que complementa: “Ainda mais se a pessoa nunca teve um sexo de qualidade, seja por crenças repressoras, falta de conhecimento ou educação sexual, que ela passe agora a encarar como um momento para desfrutar do prazer nunca vivido, com mais maturidade e consciência, podendo ser até mesmo uma oportunidade para que ela possa ressignificar os tabus e crenças para viver, a partir de agora, uma vida com prazer”.

A sexóloga destaca ainda que vivemos em uma sociedade que, muitas vezes,  recrimina idosos interessados em sexo, tirando-lhes o direito ao prazer. “Por isso, é preciso trabalharmos todos os tabus não apenas por parte deles, mas, principalmente, da sociedade”, enfatiza.

A sensualidade em qualquer idade

Segundo Carol Degani, o primeiro passo é estimular essas mulheres a reconhecerem que elas podem ter o prazer. “Toda mulher pode ser sensual e ‘ardente’, mesmo na terceira idade, que, como já mencionei, pode ser uma das melhores fases de sua vida ao se permitir sentir que está ‘viva’. É importante que queiram conhecer e fazer coisas novas que talvez nunca tenham conseguido antes ou até nem sabiam que existiam e que podem proporcionar alegria e diversão. Por isso, sempre falo que reconhecer a importância da parte sexual acaba se transformando, muitas vezes, em um processo muito bonito de autodescoberta para quem foi impedida de viver tudo isso. Vale lembrar que o sexo não é apenas a penetração, como a maioria das sexagenárias acredita, mas, sim, uma troca de sensações. Muitas vezes, as mulheres precisam reaprender a fazer o ato sexual, porque o sexo pode ser uma brincadeira em que não precisa haver penetração, mas ambos explorarem as sensações por meio do estímulo em partes que são extremamente eróticas e erógenas, e não propriamente o genital. Por isso é redescobrir o prazer, às vezes, com quem ela já dividiu a vida como um todo, buscando viver, agora, de forma divertida e prazerosa”, salienta a especialista.

Carol ressalta que uma das questões fisiológicas principais para a mulher na época da menopausa é em relação a alguns hormônios sexuais, que passam a não ser mais produzidos pelo organismo, o que pode acarretar em ausência da lubrificação vaginal. “Claro que essas questões fisiológicas impactam, além da parede vaginal que, com o envelhecer, vai se tornando mais fina, na falta de lubrificação. Dessa forma, a mulher sente dor, porque é uma região muito sensível e delicada, podendo haver microfissuras. E a grande maioria das mulheres não tem orientação, porque nem mesmo os ginecologistas tratam do assunto sexual com elas e apenas indicam creme vaginal, sendo que deveriam explicar o que pode acontecer durante o sexo. Além disso, o tempo de excitação de uma mulher é mais demorado do que o do homem, mas existe uma glândula chamada de Bartholin, em que a mulher pode estimular a própria lubrificação natural, que vai começando a ser produzida. Porém, o mais indicado é o uso de lubrificantes: ou seja, as mulheres precisam parar de ter vergonha de utilizá-lo antes da relação”.

Mas, de acordo com a especialista, muitas vezes, a falta de libido é mais uma questão mental e emocional do que apenas fisiológica: “Embora a libido esteja ligada ao fatores hormonais e ao desejo sexual, é possível retomar o sexo mais ativo mesmo sem hormônios sexuais presentes no corpo, desde que a pessoa esteja disposta a trabalhar suas questões mentais e emocionais, além de estar aberta a praticar exercícios corporais diários que estimulam a libido”

Conexão, reconexão e prazer

A sexóloga ressalta que não há idade para conexão, reconexão e prazer. “A primeira coisa antes de se conectar com o parceiro, é que a mulher precisa se conectar com a sua própria sensualidade, com a sua sexualidade. Precisa trabalhar o prazer do seu próprio corpo, o que significa trabalhar sua mente, entendendo que ela pode ser sensual e misteriosa e usufruir dessas características no quarto com o parceiro. Em segundo lugar, a conexão, que, muitas vezes, vem até como consequência desse trabalho de resgate da sua sexualidade para que ela enxergue que o parceiro não é só um amigo, como muitas vezes a relação acaba se tornando: uma amizade. Ele é o seu companheiro de vida, o seu homem, e ambos podem dividir muito mais do que o companheirismo, mas, sim, o prazer e novas descobertas. Muitas vezes é instigar ambos a, juntos, decidirem sentir a vida!”, explica Carol. 

Exatamente por isso que, segundo ela, é essencial que as duas partes estejam comprometidas de verdade a se reconectarem e darem prazer um para o outro. “Além disso, é importante que se reconheçam, porque durante todo o tempo de casamento, é normal que as pessoas mudem, assim como os seus prazeres e desejos. É preciso que conversem e alinhem sobre esse processo para evitar desentendimentos. Mas, uma vez decididos a resgatar o lado prazeroso da relação, nas minhas sessões, iniciamos um processo em que explico o toque, proponho exercícios e dinâmicas para o casal. E também é importante que as pessoas estejam abertas a se despir das vergonhas, das questões sociais, culturais e estejam ali como dois seres humanos de fato que querem viver a vida da melhor forma e que agora podem usufruí-la de alguma maneira muito mais liberta. Por isso, a conexão sexual dos idosos independe do tempo de relacionamento, mesmo que estejam casados, por exemplo, há cinquenta anos, é possível se reconectarem e se reconhecerem, permitindo o toque e a se perceberem. Um dos principais desafios é que os idosos não têm orientação e se mantêm, muitas vezes, na rigidez que lhes foi ensinada”, esclarece.

A especialista ressalta ainda que é preciso também que os casais entendam que a reconexão é um reaprender sobre tudo, até mesmo o beijo: “Sabemos que muitos casais idosos não se beijam mais, porém o beijo tem um papel fundamental – é o elo inicial de intimidade, que leva ao ato sexual. O importante é, inicialmente, entender e reaprender sobre o beijo, a sua função e o significado do ato de beijar. Ou seja, é ter novamente uma educação sexual que, talvez, a pessoa nunca tenha tido. Por isso, é todo um processo de quebra de crenças e de ressignificação do beijo, que pode ser divertido e não ter a conotação de sensualidade ao máximo, pois, nessa idade, é preciso estimular mais a alegria do que aquela ideia de mulher fatal; a leveza nas relações, com foco no aproveitamento total da vida. Costumo trazer a seguinte reflexão às minhas pacientes: não perca as oportunidades de aproveitar tudo o que pode ser gostoso dessa jornada que logo mais pode terminar”, diz a especialista. 

Às mulheres da terceira idade, a sexóloga deixa a seguinte mensagem: “O que eu gostaria de dizer é que vocês precisam viver e não apenas existir, não apenas empurrar a vida com a barriga. Precisam viver essa vida com alegria, entendendo que sentir prazer não é errado ou feio, pelo contrário! O prazer é de se sentir viva, o que também inclui o sexo e a conexão com o outro. Porque quando vocês percebem que querem viver da melhor forma em todos os aspectos, conhecendo seu corpo, descobrindo coisas novas e dividindo tudo isso com alguém, vocês podem vivenciar experiências maravilhosas. E eu bato na tecla do ressigifnicar o sexo como uma brincadeira de adolescente, porque o brincar nos traz energia, vitalidade, ao invés de simplesmente fazer por fazer ou beijar por beijar. Mas que vocês possam levar tudo isso para o campo das descobertas. Em especial, que vocês possam entender que agora é a hora para vocês viverem a vida da melhor forma, trazendo à tona a mulher feminina e sensual que existe dentro de vocês, pois a feminilidade e a sensualidade não morrem nunca, mas, muitas vezes, vocês podem estar apagando-as aos poucos!”.

Carol Degani

Carol Degani atende em São Paulo em sessões individuais ou para casal e também por meio de consultorias pontuais. Ela ministra ainda palestras, workshops, eventos e reuniões para mulheres que queiram aprender a resgatar a feminilidade e a sensualidade. Os interessados podem entrar em contato pela rede social: https://www.instagram.com/caroldeganioficial/

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